“E se tudo der errado?”

MINAS EM ARTIGOS E CRÔNICAS

Por Fernanda Carvalho

Imagem: sxc.hu

Quando ele nasceu todos olharam atentamente, desconfiados de que algo pudesse ter dado errado com aquele menino. Durante a gravidez era a mesma coisa. A mãe ia toda semana ao médico pra ver se tava tudo certo. E quando ela, sem querer, escorregou e caiu levemente de bunda no chão?! Foram todos correndo para o hospital, afinal, será que o menino ia sobreviver?

O fato é que sobreviveu, pelo menos por enquanto. Quando garoto, corria de um lado para o outro, mas logo era barrado pela mãe que, desconfiada, dizia: para com essa correria minino! Se não vai cair.

A desconfiança de que tudo ia dar errado e de que todos estavam mentindo ou enganando era tão forte que vivera a vida toda na mesma vidinha pacata. Quando foi tentar vestibular, a mãe desconfiou que a prova era manipulada. E nada tirava da cabeça da dona que o menino não ia dar certo na vida.

Já era um mocinho na faculdade e já sabia até desconfiar por si mesmo de todos e da vida. Desconfiava de professores, de colegas, de namoradas, achava que todas elas eram umas boas dumas traidoras. Os colegas, queriam mesmo era que ele fizesse os trabalhos para eles.

Quando chegou um menino novo na faculdade, vindo lá dos States, os garotos todos desconfiaram. Afinal, quem esse cara pensa que é? As meninas gostaram, mas desconfiaram que era o maior “galinha”.

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Quando ele nasceu todos olharam atentamente, desconfiados de que algo pudesse ter dado errado com aquele menino

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Enfim se formou na faculdade. Fez pós, mestrado, doutorado e continuou desconfiando de tudo e de todos. Casou né?! Conheceu uma mulher em um cursinho de inglês e se apaixonou. E mesmo desconfiado de que a menina pudesse o deixar a qualquer momento, casou com ela e teve três filhos, tão desconfiados quanto pai e mãe.

Ele agora já é um senhor de meia idade, alguns cabelos brancos, roupa esporte-fino e carro usado, mas com aspecto de novo. Continua casado, apaixonado e com dois, dos três filhos, dentro de casa. Hoje ele acordou desconfiado que a filha mais nova tinha arranjado um namorado e que não contou nada pra ele: o primeiro (ou será que já teve outros e eu nem sei?). Ontem ele já estava desconfiado que a outra filha tinha viajado, na verdade, pra casa de um amante e que o filho pegou dinheiro da poupança pra comprar drogas.

O filho pegou dinheiro da poupança pra comprar um presente de dia das mães. A filha viajou a trabalho e ia voltar mais cedo pra fazer uma surpresa pro marido. A filha mais nova tinha tirado nota ruim na última prova e passava todo dia na escola tentando se recuperar pra não decepcionar os pais.

E foi nessa desconfiança toda que tudo deu certo no final. Ninguém enganou ninguém e ninguém percebeu, que de fato, não era preciso desconfiar. No último dia de vida, o nosso personagem mineirinho, sempre tão desconfiado, já com quase cem anos de vida, desconfiou que a morte bateria em sua porta naquela noite. E não é que dessa vez ele estava certo?